Por Marta Melo
Devemos cuidar de cada componente da biodiversidade como inestimável; enquanto aprendemos a usá-la, precisamos compreender o que ela significa para a humanidade (Edward Wilson).
A biodiversidade ou diversidade biológica compreende os seres vivos existentes na Terra. Cada espécie é um “produto único e insubstituível na natureza”, conforme mencionado por Bensusan (2008). Desse modo, a biodiversidade tem grande importância, pois ela proporciona uma variedade de serviços necessários para o bem-estar humano.
O Brasil é um país de dimensão continental e detentor de uma diversidade de ecossistemas e paisagens, com destaque para sua incomparável biodiversidade. Essas singularidades o tornam um destino turístico mundial de elevada importância na categoria patrimônio natural.
Ao discorrer sobre diversidade biológica, a fauna brasileira se destaca positivamente por sua riqueza e abundância. Em vista disso, são várias as iniciativas turísticas relacionadas à biodiversidade. Tais iniciativas, enquanto elemento de contemplação, funcionam como importantes ferramentas voltadas para a sensibilização, informação e educação ambiental. Haja vista que a prática do turismo vinculada à vida silvestre, quando conduzida por uma gestão correta, proporciona múltiplos efeitos positivos, dentre os quais: recreativos, terapêuticos, educativos e de aprendizado com a natureza, e pode disseminar boas ações para a conservação de áreas naturais, o bem-estar animal e contribuir com a redução da pobreza.
Dentre as iniciativas, destacamos:
- A observação de aves (psitacídeos, aves marinhas, passeriformes e outras);
- Contemplação de baleias, botos, golfinhos e peixes-bois marinhos;
- Observação de felinos (onças-pardas e onças-pintadas);
- Observação da vida aquática;
- Observação de primatas (micos-leões-dourados, macacos-pregos, muriquis e outros);
- Observação de répteis e anfíbios (serpentes, jacarés, tartarugas marinhas; e
- Contemplações de espécies como a anta, lobo-guará, tamanduá, veados, capivaras e outros animais da fauna silvestre.
Todavia, vivemos em uma sociedade líquida, como mencionado pelo sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017). Esta sociedade deu lugar a uma nova lógica de transformações incessantes, em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, efêmeras e maleáveis.
Nesse contexto, é praticamente impossível, na sociedade atual, não usar pelo menos uma mídia social para compartilhar fotografias e vídeos dos mais diversos momentos de lazer e/ou viagens. Muitas dessas publicações exibem animais silvestres como se fossem produtos ou troféus.
Neste contexto, denota que inúmeros empresários do setor de turismo propiciam a espetacularização, exploração e objetificação dos animais como forma de uso exclusivamente para obter lucro mediante à prática turística predatória e para satisfazer às necessidades humanas desimportantes.
A World Animal Protection aponta que, em toda parte do mundo, animais têm o seu comportamento adulterado para que possam servir de atrações turísticas e que a exploração da vida silvestre, em busca de lucro fácil, tem provocado sofrimento aos animais. Essas práticas podem estar relacionadas ao modo de produção vigente que se apropria dos elementos da natureza, incorporando novas práticas na criação de produtos e serviços turísticos para a exploração de mercado, como sinalizado por Silva-Melo e Melo (2021).
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu Art. 225, especificamente no inciso VII, que devemos proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
A narrativa da conservação da biodiversidade como importante para o turismo, não parece ser a forma mais atraente para muitos que atuam no setor de turismo. Em vista disso, o Fazer Turístico necessita de ressignificações, e o seu desenvolvimento deve se distanciar das relações impositivas do atual modo de produção (Silva-Melo; Melo, 2021). Não devemos considerar a biodiversidade como objeto de consumo, determinando que o seu valor seja estimado estritamente à perspectiva econômica.
Não existe problemas em registrar um momento de contemplação com os animais, desde que esses não sejam importunados e manipulados como se fossem meros objetos de exposição em redes sociais. Afinal, nem tudo que nos satisfaz é conveniente aos animais. Neste sentido, recomenda-se:
- Fotografe sem apalpar o bicho;
- Evite aproximação de animais silvestre [lembre-se de que eles estão no seu ambiente natural];
- Observe-os de longe a fim de obter segurança, evitando a aproximação, captura ou afugentamento;
- Mantenha distância, caso este animal esteja com filhotes [pessoas são ameaças e podem ser atacadas em razão do insitinto de proteção do animal];
- Evite o uso de sons, pois pode provocar estresse aos animais;
- Evite fazer barulhos e o uso de perfumes com forte odores, isso pode interferir no comportamento animal;
- Não jogue pedras ou outros objetos para atrair a atenção do bicho; e
- Não alimente os animais silvestres.
Alimentos artificiais podem prejudicar a saúde do animal. Além disso, algumas pessoas manifestam determinadas atitudes capazes de influenciar no comportamento do animal tornando-o mais agressivo ou dependente do alimento humano.
Por essas razões, em qualquer prática turística é indispensável o monitoramento constante dos impactos do turismo com ações de manejo que minimizem os efeitos negativos e maximizem os benefícios. Pois, quando se incentiva o respeito a todas as formas de vida, a interação que ocorre entre as pessoas e os animais contemplados em seu habitat resultam em verdadeiras experiências pessoais, com impactos surpreendentes.
Dessa maneira, é possível pressupor que o desenvolvimento do turismo não se resuma a impactos destrutivos, mas se torne uma força transformativa (Silva-Melo; Melo, 2021), difundindo o respeito aos animais silvestres que devem ser vistos como indivíduos detentores de direito. Assim, devemos combater a prática de objetificação de animais para mera satisfação das pessoas nas atividades de turismo e incentivar o engajamento dos atores do turismo e empresários do setor quanto à realização de ações responsáveis que incluam boas práticas em prol da conservação da fauna.
A abordagem sobre turismo e biodiversidade requer ações prudentes. No caso, Brumatti (2013) menciona que a cerne da discussão sobre o turismo de observação da vida selvagem está em como melhor aproveitar os benefícios desta atividade, sem que traga muitos prejuízos a natureza e seus elementos, pois o sucesso de um bom ordenamento e gestão do turismo de vida selvagem estão relacionados às intenções comerciais e impactos biológicos.
Por fim, ao levar em consideração que a riqueza e abundância de espécies, seja da fauna ou da flora, representam componentes importantes para o turismo, é fundamental pôr em prática os fatores-chaves necessários à relação turismo e biodiversidade que deve ter como premissa ações sustentáveis para o desenvolvimento do turismo a longo prazo.
Referência:
BENSUSAN, N. Seria melhor mandar ladrilhar? biodiversidade como, para que, por quê. Editora Peirópolis, 2008.
BRUMATTI, P. N. M. O papel do turismo de observação da vida selvagem para a conservação da natureza. Revista Brasileira de Ecoturismo, v.6, n.4, 2013, p.191-206.
SILVA-MELO, M. R.; MELO, G. A. P. Reflexões sobre o fazer turístico nos ambientes naturais. In. CHÁVEZ, E. S.; MORETTI, E. C.; (Orgs.). Apropriação e mercantilização da natureza na produção de territórios turísticos. Apropiación y comercialización de la naturaleza por la producción de territorios turísticos [livro eletrônico] Porto Alegre, RS: Totalbooks, 2021.
WAP. World Animal Protection. Um foco na crueldade: O impacto prejudicial das selfies com vida silvestre na Amazônia. Disponível em: https://www.worldanimalprotection.org.br/sites/default/files/media/brfiles/waprelatorioumfoconacrueldadeselfies04102017.pdf
Como citar esta página:
SILVA-MELO, M. R. Ecodidática, Campo Grande, 20 de outubro de 2021. Disponível em: https://ecodidatica.com.br/turismo-e-biodiv…acao-dos-animais/. Acesso em: dd. mm. aaaa.
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